quarta-feira, 7 de julho de 2010

Casa da Luxúria



Altos papos durante a santa ceia no RU da UFJF e eis que uma amiga conta pra mim e mais um amigo sobre uma certa festa inspirada num certo livro. Quase sem querer ela acaba falando o nome do livro, mas fala tão rápido que não consigo entender nada mais do que 'casa … budas'. Envergonhada por expor o tal livro pernicioso, ela se recusa até a morte a repetir o nome do bendito.
Pra essas e outras situações na vida é que existe o Google!

Senhoras e senhores,
Bem-vindos à Casa dos Budas Ditosos

Eles sempre foram felicíssimos. Ela adorou a áfrica do Sul, até porque sempre gostou muito de matar bichos grandes, e Carl dava todo o dinheiro que ela queria para ela comprar o direito de sair matando o que lhe desse na veneta, naqueles países africanos que a gente vê nos documentários, onde só tem bichos, pobres fantasiados e generais com contas secretas na Suíça, são só não sei quantos mil dólares por elefante, não sei quantos por leão e assim por diante, para não falar que não havia ecologistas. Ela disse que matar é o maior afrodisíaco que existe e que sente um arrepio assombroso, na hora em que o bicho sucumbe. Quando ela era menina, ordenava às serviçais da fazenda que a chamassem quando fosse hora de matar qualquer bicho, inclusive porco, que é uma barra para morrer de faca, com aqueles guinchos agoniados, aquelas contorções e sangue espirrando por tudo quanto é lado. E ela preferia faca a qualquer outro instrumento, para essa diversão. O contato é mais próximo, dizia ela, e eu acredito que ela tinha um barato fazendo essas coisas. Naturalmente que não dava para matar um leão dessa forma, feito Tarzan, mas ela sempre atirou bem e matou uma porção. Ainda aqui na Bahia, ela chegou a criar uma jibóia chamada Selma, e a coisa de que ela mais gostava era alimentar Selma. Jibóia não come comida morta, tem que ser um animal vivo. Pelo menos foi isso que ela me contou. Cobra come pouco, acho que uma ou duas refeições por mês. Bem, não vem ao caso, o fato é que ela descolava uns ratos brancos com uma amiga em não sei que laboratório, ou então uma preá no criatório de um empregado do pai, e fazia um verdadeiro ritual para dar o bicho a Selma. Assisti a algumas dessas celebrações. Não entrei em transe nenhum, mas acredito que compreendi o barato dela, acho que intuo esse barato, havia alguma coisa de morbidamente sensual naquela cena. Ela trazia o rato numa gaiolinha de arame, não tinha nem a caridade de arranjar uma caixa fechada; me lembrava aquela cena de Ana Bolena em que vêm dizer a ela, Ana Bolena, que Henricão mandou cortar o pescoço dela, com aqueles tambores agoureiros redobrando e Maria Callas gritando "sirrrr Peeerrrrrrcy!", acho lindo. Norma Lúcia botava Selma num quarto desocupado e sem mobília daquele casarão enorme da chácara, trancava a porta, acendia uns incensos fedidos que ela comprava nas Sete Portas, se acocorava num canto e soltava o rato para Selma comer. Despejava o rato, quero dizer, porque ele não saía da gaiola, gelava assim que via a cobra. Ela entrava em êxtase só de ver o rato paralisado de terror, e Selma fixava aquele olhar malevolente de cobra nele, com a língua tenteando o ar, para depois, com uma classe sinuosa que só cobra tem, enroscar-se nele, lambê-lo, esmagá-lo e engoli-lo sem pressa. Norma Lúcia não se aguentava de excitação diante desse espetáculo e se masturbava horas seguidas. Muitíssimo mais tarada do que eu, incomparavelmente, chegava a acariciar longamente os paus dos cavalos dela, com os olhos fechados e quase em transe. E adorava ver cavalos trepando também.”



Foram meses, alguém acredita? Foram meses para ele compreender que eu estava querendo dar para ele e mais meses para ele aceitar me desvirginar. Foram meses renascentistas, florentinos, mas eu não me importei, até gostei. Continuei levando a minha vida como sempre, com noivo e tudo. Me sentia mais ou menos como Selma, a jibóia de Norma Lúcia, e ele era o ratinho em que eu ia me enroscar e engolir.”


“─ Algo me diz, falava-lhes eu... Ha-ha-ha-ha! Ha-ha-ha-ha! Ai, meu Deus... Desculpe a crise de riso, mas eu me senti, não sei por quê, meio Lacan, declamando todas aquelas baboseiras desconexas e ininteligíveis, e os crentes tentando decifrá-lo como quem decifra Nostradamus ou a pitonisa de Delfos, quando é claro que ele mesmo não sabia que merda estava falando, suspeito que tomava qualquer coisa para o juízo. Descia as ventas numas quatro carreirinhas gordas e ia à luta. O que se fala e escreve de merda engalanada na França é inacreditável, eu mesma nunca engoli nada dessa empulhação que confunde ininteligibilidade e chatice com profundidade, nem Lacan, nem Godard, nem Robbe-Grillet, nada dessas merdas, tudo chute e chato, e quem gosta é porque foi chantageado a gostar e, no fundo, se sente burro. Sartre ainda tinha umas coisas, se bem que L.etre et lê néant é a mãe dele, mas ainda tinha umas coisas, às vezes era arrebatador. Não, não tenho nada que me sentir como Lacan, eu... Ha-ha-ha, desculpe, é dessas crises de riso que a gente não consegue deter. Lacan...




Imagine a cena, um maluco furibundo, com o miolo cheio de cocaína ou anfetamina, despejando aquela enxurrada amazônica de non sequiturs esbugalhados em cima de uma platéia que nunca entendeu e até hoje vive tentando comicamente entender e terminando por falar do mesmo jeito e acabando invariavelmente por infelicitar alguém. Ele não escreveu porque, provavelmente, não conseguia sentar para escrever. Tem gente assim. Eu também, quando ficava ligadona, era assim, não parava quieta, nem na cama. Devia haver um nome para essa doença, ou pelo menos para alguns de seus sintomas. Não a doença dele, que era uma variante neurológica maligna de glossolalia, nada de extraordinário. Eu me refiro à doença dos religiosos dele, os iniciados, os sacerdotes e, naturalmente, os que usam o tal "tempo lógico" ─ como se o Mestre dos Mestres jamais houvesse proferido alguma coisa de lógico ─ mais espertamente, só deixando o sofrente falar dois minutos e mandando-o às favas para ter tempo de atender a mais noviços. Lógico para o bolso; é uma. Não, eu não tenho nada a ver com Lacan; sim, there is method in my madness.”


[...]como é bela a mudança de cara na hora de trepar, é o conhecimento absoluto.”

Vittorio Gassman tinha razão, numa entrevista que eu vi na tevê: a vida devia ser duas; uma para ensaiar, outra para viver a sério. Quando se aprende alguma coisa, está na hora de ir.”

Eu não vou fazer conferência, prometo que não vou fazer conferência, sei que é um hábito intolerável, mas não posso deixar de fazer um adendo em relação ao incesto. Sou como Bernard Shaw, não basta mostrar, tem que explicar, senão as pessoas não entendem. Claro que as mulheres de Rodolfo estavam cansadas de saber que muita coisa mais do que beijinhos havia entre nós, eu nunca escondi que tinha loucura por ele, embora sem precisar até que ponto e assim por diante, mas sempre me indignou ter que esconder o que para mim é a coisa mais natural do mundo. Tenho absoluta certeza de que o número de irmãos que transa com irmãs, tios e tias com sobrinhos e sobrinhas, pais com filhas e mães com filhos, ad infnitum, é muitíssimo maior do que a nossa hipocrisia admite, e não há razão por que deva ser de outra forma. E primos criados juntos? É universal ─ cousinage, dangereux voisinage. Antes de se poder evitar filhos com segurança, vá lá, havia uma razão genética. Mas não hoje em dia, mesmo antes da pílula, quando se podia fazer um aborto nas melhores clínicas, bastando ao médico usar o nome artístico de curetagem. Incesto era normal no Egito antigo, Juno era irmã e mulher de Júpiter, todo mundo comia todo mundo, é natural, artificial é a noção de incesto como um mal em si, não tem nada de intrinsecamente mau no incesto, antes muito pelo contrário, é uma força da Natureza, é natural! Não é obrigatório, mas é natural. Acho burro ou mentiroso quem se escandaliza com eu ter comido meu irmão e meu tio, para não falar em primos, cunhados e quejandos. Eu me arrependo de não ter comido meu pai, hoje me arrependo, tenho certeza de que, armando um bom esquema, eu conseguiria, ele também era normal, e eu adorava ele e bem que eu podia ter contracorneado minha mãe, ia fazer bem a todos os envolvidos, até a tio Afonso, quem sabe? E nisso eu sinto lá a cara feia do preconceito, fico puta com essas contradições, mas neurose é neurose. Tenho de admitir que sou uma nevropata, talvez no feliz dizer de Euclides da Cunha. Porque também acho esse negócio de cornidão o maior atraso de vida, ninguém é monógamo, nem homem nem mulher, só degenerado mesmo, masoca, deslibidado, doente da cabeça gravemente. Ficar casado com a mesma pessoa a vida toda, ótimo; até tenho admiração sincera por esse tipo de santidade e pode-se mesmo alegar que passei a minha vida toda casada com Rodolfo e presentemente sou viúva dele. Agora, nunca ter querido dar uma escapulidinha de vez em quando, nunca ter fantasiado uma trepada fora é mentira. Mentira que muito raramente pode ser sincera, mas, mesmo nestes casos, não deixa de ser mentira. Todo mundo é corno, mesmo que não seja, por uma mera questão conjuntural técnica. Sei de muita gente a quem esse reconhecimento incomoda tremendamente, traz mudanças de assunto, crises de melancolia, irritabilidade e surtos de suores frios em bibliotecas, livrarias e cinemas. Alguns homens, até liberais, não suportam a idéia de suas mulheres verem fotos pornográficas, não querem que isso exista para elas, coitados. Acham que, por não deixarem que a mulher veja certos atos e observe o pau de outros homens, elas não vão fazer isso por conta própria se resolverem, ou passarão a vida na crença de que só o marido tem pau, o maior do mundo, e ninguém faz safadagem. E mulheres que criam caso porque seus homens vêem fotos de mulheres peladas, também coitadas. Luta mais besta não pode haver, melhor seria que todo mundo fosse foder numa boa e deixasse de aporrinhar o juízo alheio. Mas parece que a humanidade acabará e isso não acontecerá. Não existe ninguém razoavelmente normal que não pense, ou tenha pensado, em prevaricar. Nesse ponto, como em muita coisa mais, eu fui pioneira, numa geração obscuramente pioneira. Quando eu fui morar com Fernando, em 62 ou 63, nunca sei direito, já velha para os padrões da época, ele sabia tudo sobre mim e sabia até que eu tinha prometido a bunda a tio Afonso para quando voltasse de Los Angeles, só que, verdade seja dita, Fernando tinha certeza de que eu ia sacanear meu tio e não ia dar nada. Mas o resto ele sabia. Única combinação: fodeu na rua, contava ao outro. Corolário: o fodedor ou fodedora da rua tinha que saber que a gente contava tudo um ao outro. Mas não contava realmente tudo, esse tipo de combinação nunca funciona cem por cento. E olhe que a gente comia muito as mesmas pessoas, o que facilitava as coisas. Não resolve, até ciúme aparece, é inacreditável. Mas é melhor do que nada, pelo menos a gente não mente nem finge e dissimula tanto, melhor que em muitos conventos.”


Atraso, atraso, vivemos segundo regras e padrões para os quais nenhum ser humano foi feito e, claro, ficamos malucos por isso.”

OBJETIVO DA NARRAÇÃO:
E as pessoas lêem romances, biografias, confissões e memórias porque querem saber se as outras pessoas são como elas. Não somente por isso, mas muito por isso. Querem saber se aquilo de vergonhoso que sentem é também sentido por outros, querem olhar mesmo pelo buraco da fechadura e, quanto mais olham, mais precisam olhar, nunca estarão saciadas. Faz bem, é reconfortante. Porque eu tenho a convicção de que a maior parte das mulheres e homens é como eu e pensa que não, cada um pensa que é único em suas maluquices. Não é, não, somos todos iguais. Vai ter muita gente que vai ler isso e vai discordar e de novo estou com preguiça de argumentar. Largue este texto, então, não perca seu tempo. Não largou? Não largou, claro, chegou até aqui. Não é para largar. A intenção do buraco da fechadura é a primeira. A segunda é provocar tesão, quero que quem me ler fique com vontade de fazer sacanagem, pelo menos se masturbando. Se alguém lesse isto no avião e, por causa disso, entrasse numa sessão de sacanagem com o companheiro ao lado, seria uma realização, um accomplishment. Penso principalmente nas mulheres, gostaria que as mulheres, ao tempo em que se tornassem mais ousadas, se tornassem também mais abertas, mais compreensivas, deixassem de ser tão mulheres, por assim dizer. E gostaria de um mundo de sacanagem sem problemas, é dificílimo, mas não é impossível em certos casos. Quero que as mulheres fiquem excitadas, se identifiquem comigo, queiram me comer e comer todo mundo que nunca se permitiram saber que queriam comer, quero criar um clima de luxúria e sofreguidão. De noite, sozinha, isso acontece. às vezes por causa de um drinque, um baseado, uma música, uma foto, uma coisa qualquer que altere ou provoque a consciência. às vezes, aparentemente por nada. Mas todas as mulheres ─ todos os homens, mas agora quero falar de mulheres ─ já sentiram e sentem um momento em que são puramente sexo e pulsam sexo por todos os lados e ficam com medo de si mesmas e se descontrolam e compreendem tudo sobre sexo e querem tudo, é uma sensação avassaladora de absoluta sexualidade, um momento em que a sacanagem toma conta de tudo, e ela se sente fêmea, devassa, puta, ela faria tudo, tudo, ela quer foder, ela quer fazer tudo!




Toda mulher que não dá a bunda sente vontade de também dar a bunda nessas horas, toda mulher que nunca deixou gozarem em sua boca sente vontade de chupar um pau até que ele esguiche forte em sua boca, toda mulher assim limitada sai desses limites nessas horas, finge que não tem problemas. Todas iguais. Eu quero excitar essas, quero provocar muitas trepadas, quero que maridos, namorados e pais assustados as proíbam de ler, quero que haja gente com vergonha de ler em público ou mesmo pedir na livraria, ah, como seria bom acompanhar tudo isso. E não estou fazendo nada demais, a não ser contar a verdade. É de fato inacreditável, se você for ver bem, que contar a verdade seja escandaloso, quase subversivo, o atraso, o atraso. Se todo mundo contasse, este depoimento seria apenas mais um entre milhões. Mas, como não conta, eu conto, e ainda tenho muito mais coisa para contar, nunca vou conseguir contar tudo. E, finalmente, a terceira intenção é bem mais um desejo. É o desejo de estar com mulheres que tenham lido este texto, para ver as caras delas e ouvir os comentários para consumo externo e para o marido que se julga liberalíssimo, mas despencaria do Everest se soubesse dez por cento do que vai na cabeça dela. Parece que eu estou vendo: Gostei, sim, mas é claro que discordo de muita coisa, ela é muito radical para mim, eu não chego àquele ponto nem na teoria, quanto mais na prática. Canalhas. Claro que chegam, se já não chegaram. Mas têm que se defender, é natural. É a tal coisa, tem uma comunidade cheia de veados e nenhum homem que coma os veados. Existe? Claro que não existe. É a mesma coisa, modus in rebus. Eu serei a única? Pelo contrário, eu sou mais é a regra, a norma, embora poucas tenham tido as oportunidades que eu tive e, por isso, não foram longe. E com quem é que eu fiz tudo o que eu fiz? Com algum marciano, por acaso? Quem está fazendo tudo agora? Sim, quero mexer com essas mulheres também, quero mexer com todo mundo.”


E, quanto a Freud, deixou essa herança desarvorada de falantes nebulosos e nervosos, que praticam seitas obscuras e dedicam as vidas à infelicidade palavrosa. Nunca provaram efetivamente nada e nunca geraram nada de aproveitável além de uns dois filmes de Woody Allen, mas estão aí para ficar, sempre estarão, como as cartomantes e videntes e conselheiros sentimentais. Ouvido de aluguel sempre teve um grande mercado, a Igreja tem sacadas geniais, vamos reconhecer, a confissão auricular foi uma delas. Freud não chegou a substituir isso, nunca será suficiente e, além do mais, não se pode perdoar o progenitor do maior acúmulo de asnices labirínticas jamais despejado sobre a Humanidade e de bichas francesas que não entendem o que elas próprias escrevem e de alemães que acham que, pelo fato de terem palavras para designar condições, atos e situações que os outros não têm, entendem mais dessas coisas, um perfeito non sequitur, nada a ver o cu com as calças, alemão só entende de alemão, Weltschmerz é a puta que pariu Goethe, com quem, aliás, eu simpatizo, era um fodelão e morreu um velho safado, como devem ser todos os velhos, em vez de engolirem calados os papéis que os mais jovens, não se contentando em ser mais jovens, lhes impõem.”


A paixão é simplesmente a tesão formatada, será que jamais isto será compreendido, será que ficaremos sempre algemados com a chave na mão?”

Eu não pequei contra a luxúria. Quem peca é aquele que não faz o que foi criado para fazer. E eu fiz o que Ele me criou para fazer. Não quero entender nada. Quero acreditar, mas não posso ter certeza, não se pode ter certeza de nada, que Deus me terá em Sua Glória e sei que Ele agora está rindo.”

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