sábado, 15 de agosto de 2009

Passagem Para Ravena


   Já fazia um bom tempo que eu não lia fantasia. Acho que a última vez foi a série Crepúsculo e isso foi logo que ela foi lançada, antes mesmo de ter feito sucesso e ficado popular demais.
    Apesar de não ser meu estilo favorito, eu até gosto de fantasia. Acontece que minha maratona de preparação para o vestibular me deixou alheio à muitas das coisas que não fossem cair na minha prova. A trilogia do Senhor dos Anéis com certeza não seria cobrada (felizmente, pois eu não tive paciência de lê-lá até o final). Então fantasia só se fosse em uma história bem curtinha: e Passagem para Ravena é assim.
    Em Passagem para Ravena, José Ricardo Moreira conta a história de Lívia e Diogo, dois adolescentes que são perseguidos por um passado que não viveram, ou pelo menos que não se lembram. As memórias passadas do guerreiro medieval Dimitri vivem em Diogo, um jovem de classe média ligado em rock, gibis e que tem seus problemas de relacionamento com seu pai. E Irina, a esposa de Dimitri, é encorporada pela recatada Lívia, uma adolescente pouco vaidosa que vive em seu próprio mundo, exceto quando discute com sua irmã mais velha.
Diogo e Lívia não se conhecem, mas precisam retomar a causa de Dimitri e Irina: destruir os demônios, conhecidos como parentais, que vieram de Ravena para arrasar o nosso planeta. Para isso, eles recebem a ajuda de um misterioso velho, que lhes conta a história de seus antepassados místicos e lhes entrega medalhões com poderes especiais. Os dois seguem seus caminhos paralelamente, mas o destino teima em cruzar suas histórias mais uma vez. O casal passa a viver entre entre mundos diferentes: um de sombras e outro de televisão, um de problemas familiares e outro de amor platônico, um de medo o outro de heroísmo - um metafóra da complicada e controversa vida adolescente.
    Além de ser uma leitura leve e ágil, Passagem para Ravena é um livro de linguagem moderna, que não se prende ao formato do texto para contar sua história. Ilustrações, tabelas, muitas letras de músicas, textos em formato de chat e a própria diagramação da obra tornam a leitura diferente e mais divertida.

Resumo: http://pt.shvoong.com/books/399064-passagem-para-ravena/
Capítulo 5: http://a-summer-breeze.blogspot.com/2009/03/as-coisas-que-estao-no-alto-essas.html

quarta-feira, 5 de agosto de 2009

A Cegueira em Todos Nós


Enquanto espera o semáforo liberar sua passagem, um homem cega. Simplesmente cega, sem motivo explícito. Após desesperar-se e procurar ajuda, todos que tiveram contato com esse primeiro cego tornam-se também cegos em questão de horas. Essa cegueira epidêmica é a desculpa de Saramago para iniciar uma profunda análise social.
A explicação da cegueira é desprezada pelo autor pois não se trata de seu objetivo dissertar sobre as causas fisiológicas ou psicológicas da suposta epidemia; mas sim propor, de forma condicional, um ambiente favorável à sua verdadeira intenção literária:tratar sobre os valores humanos.
As personagens não possuem nomes, inclusive uma delas (um escritor) explica-se acerca deste fato em um diálogo com a mulher do médico (personagem central da trama):

"Como se chama, Os cegos não precisam de nome, eu sou esta voz que tenho, o resto não é importante, Mas escreveu livros, e esses livros levam o seu nome, disse a mulher do médico, Agora ninguém os pode ler, portanto é como se não existissem."

O estilo de Saramago possui esse diferencial característico da simplicidade da escrita, e da preferência pelas idéias; o conteúdo é importante, e não a forma como ele é apresentado. A ausência dos sinais de exclamação e interrogação, assim como a separação das frases simplesmente por vírgulas torna a leitura um pouco mais exigente, obrigando-nos a penetrar nos pensamentos do escritor e acompanhar suas idéias. A ausência de nomes para as personagens, assim como a falta de localização geográfica e temporal eu atribuo ao caráter questionador de Saramago. Por que nomear pessoas, localizá-las no tempo e no espaço se a idéia que se quer passar sobre essas pessoas é comum à todos nós, os defeitos de conduta e moral das personagens do Ensaio Sobre a Cegueira são comuns aos seres humanos, independente de seus nomes, classes sociais, épocas e países?

Personagens sem nomes não podem ser julgados pelo que parecem ser. Não se pode dizer que uma pessoa tem determinadas características devido ao seu sobrenome, seja ele de grande renome ou vulgar. Ao descartar a necessidade de um nome, as personagens mostram que, à partir do momento que a cegueira é uma condição comum à todos, certos valores não são mais aplicáveis. Não existem mais, por exemplo, pessoas de aparência boa ou ruim, bonitos e feios. Numa sociedade de cegos, não se julga as pessoas pela aparência e sim pelos seus atos. E de fato as personagens temem muito mais serem conhecidas pelo que realmente são do que a própria sensação de impotência causada pela cegueira.

Após a confirmação de que o chamado mal-branco apresenta características epidêmicas, o governo tenta conter a disseminação colocando em quarentena os primeiros afetados. Determinada parte da história passa-se numa quarentena, no caso um antigo manicômio em desuso. Enquanto estão no manicômio, as personagens vêm cair todos os valores da sociedade em que costumavam viver, ou seja, a sociedade dos que enxergam. O primeiro senso que tomba é o de higiene pois com o manicômio lotado e sem manutenção adequada, logo o sistema de esgoto falha, deixando seus internos (que segundo ordens do governo não receberiam qualquer tipo de ajuda externa independente da necessidade) à mercê de toda imundície que pode ser produzida pelo homem.

"Aqui não há só gente discreta e bem-educada, alguns são uns mal- desbastados que se aliviam matinalmente de escarros e ventosidades sem olhar a quem está, verdade seja que no mais do dia obram pela mesma conformidade, por isto a atmosfera vai se tornando cada vez mais pesada..."

A situação no manicômio torna-se a tal ponto desumana (ou demasiado humana) que um recém-chegado grupo de novos cegos passa a manipular a entrega da comida, cobrando por ela. Num primeiro momento, recolhem todos os objetos de valores, e após estes se esgotarem, passam a exigir as mulheres dos cegos já residentes. Nesse ponto a imundície da alma humana torna-se mais que insuportável. No ápice de toda essa humilhação a mulher do médico, única personagem que não fica cega na história, apesar de toda sua idoneidade antes dessa situação caótica chega ao ponto de matar um homem, chefe do grupo de cegos que estrupou as mulheres das outras camaratas. O fato de que, sob certas circunstâncias, ninguém é mais o que costuma ser, mostra que raramente nos conhecemos. Muito menos uns aos outros, não se pode dizer que se conhece uma pessoa pois as aparências sempre enganam.

"Se podes olhar,vê. Se podes ver, repara."

Após o assassinato do chefe dos cegos que tentaram tomar o poder do manicômio, uma das cegas estrupadas abre mão de sua própria vida numa tentativa de libertar seus companheiros da opressão dos cegos manipuladores: Tomando um isqueiro que lembrou-se ter trazido consigo, atira fogo à camarata dos cegos e acaba por incendiar todo o manicômio. Nesse ponto, desesperados com o incêndio, os cegos percebem que os militares que os mantinham presos já cegaram todos e presumem que todo o país deve já encontrar-se cego. Saem então à rua e passam a viver de uma forma completamente nova, sem a regência das antigas regras sociais, imersos numa verdadeira luta selvagem por sobrevivência.

No desfecho da história, os cegos começam a recuperar sua visão normal, e dá-se a entender que somente a mulher do médico fica cega, justo essa que não tinha cegado durante todo o incidente.
Apesar de todo o conteúdo moralizante do livro, o final não apresenta nenhuma solução para a proposta do livro (fazer ver a quem tem olhos), ficando esta à cargo de cada um dos leitores.

A explicação para a cegueira e a verossimilhança Saramago responde categoricamente através de uma de suas personagens:

"Porque foi que cegamos, Não sei, talvez um dia se chegue a conhecer a razão, Queres que te diga o que penso, Diz, Penso que não cegamos, penso que estamos cegos, Cegos que vêem, Cegos que, vendo, não vêem. "