
Certa noite, acreditem se quiser, uma pequena borboleta entrou no meu quarto. Sem marcar hora, protocolar com nenhuma assistente subordinada ou mesmo fazer qualquer menção de se apresentar e dizer à que veio, entrou com alvoroço, debatendo-se entre cortinas e grades de janela.
À primeira vista, entrou pelo simples fato de ter encontrado a janela aberta, como no caso do cão da piada. Porém, quando fui argumentar que ela devia se ter enganado, que não atendíamos aqui borboletas de asas manchadas, bem como de nenhum outro tipo, limitou-se a ignorar meus apelos. No descaso que só as borboletas com manchas brancas conseguem ostentar, ela fingia não me ouvir. Não moveu sequer uma pata quando ameacei entregá-la a cães e gatos. Também pudera, como borboleta bem esclarecida que era, sabia não estar incluída na dieta de nenhum dos dois predadores.
Aplicando dum estratagema mais ofensivo, borrifei na invasora o desodorante mais forte que encontrei, a fim de espantá-lá. Mostrando-se claramente superior, limitou-se a voar para outro canto da parede. Fiz mandinga, acendi velas e canonizei uma Nossa Senhora das Borboletas Deslocadas de Seu Lugar. Nada a abalou.
A essa altura, estava mesmo convencido que borboletas não entram aleatoriamente por janelas. Não nas minhas janelas. E então me preocupei. Tratei de ter certeza de que não se tratava de Átropos, a mariposa mensageira da morte. O Google disse que meus dias só estariam contados se a borboleta suspeita desprendesse um lamentoso canto agudo e tivesse uma caveira humana tatuada nas asas, além de ter quase uns dois palmos de envergadura. Hipóteses descartadas. Providenciei silêncio e atentei para aquelas estáticas asas contrastando com a parede branca. Verifiquei se os mínimos movimentos das antenas não descreviam alguma mensagem sobrenatural. Um “Never More” gesticulado, quem sabe?...
Nada.
Ao cabo de todas minhas tentativas, contrariando apelações e revogações, silenciosamente,como se eu não fosse digno de seu adeus, alçou seu vôo janela afora. Senti uma angústia esquisita.
Naquela noite, não dormi.
( Pablo Vinícius )
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