segunda-feira, 10 de maio de 2010

Madrugada de Domingo



Depois de tanto tempo, enfim nos abraçávamos outra vez. Não posso esconder a ansiedade, me sinto como um garoto. Como o garoto que era quando nos vimos pela primeira vez. Há tanto tempo, tantas coisas se passaram.
Ao dobrar o corredor e me aproximar do quarto que nos foi tão familiar, tão aconchegante, osso sentir o perfume. Rosas! Doces aromas primaveris. Luz!
Contendo ao máximo a emoção, viro à esquerda e posso agora ver o quarto: e ela. Suas formas, o perfume tão nítido que é uma nuvem pairando baixo sob a cama onde repousa o amor. Ao me ver, levanta-se vagarosamente, sente o frio do chão nas solas dos pés, o vento que invade a fria janela, na madrugada de lua úmida e serena.
Ergue-se à minha frente. Totalmente. Plenamente. Pálida, frágil, gélida. O doce perfume me deixa enauseado. Meus olhos marejam, a visão embaça. Miríades de insetos frios brotam do chão e me cercam à porta do quarto, me tocam a sola dos pés.
A dor é só a preocupação de quem insiste em viver.”
Ela arrisca um passo incerto, trêmulo. Minhas pernas estão extremamente pesadas, frias, úmidas. No instante do toque, tornaram-se o melhor ambiente para os insetos que agora me sitiam. Me exploram. Imóvel, estático, aperto forte as pálpebras. Talvez seja como dizem, talvez não exista a dor. Afinal a dor é só a preocupação de quem insiste em viver.
De olhos fechados a audição é aguçada. Cada novo passo – cada vez mais firme – retumba em meus ouvidos, reverbera dentro de meu crânio e me ensurdece. Já não ouço, sinto. Não distinguo o som senão como o movimento de um pêndulo. Sou eu de repente pendurado no pêndulo. Enjoado e balançando. O pêndulo brinca com meu corpo quase tocando a superfície do mar. Enauseante cheiro amargo. Bílis. O oceano sob o qual me balanço tornou-se verde. Visceral.
Como se meu corpo tivesse encontrado uma plataforma de cimento para amparar minha queda, explodo na superfície do oceano.”
Despenco desamparado e procuro inutilmente onde me apoiar. Todo o céu brilha ofuscantemente. O sol fluorescente acerta em cheio meus olhos. Não há mais pálpebras, não interessa o quanto eu me esforce para cerrá-las os olhos permanecem desprotegidos. Não posso desviar da luz. Como se meu corpo tivesse encontrado uma plataforma de cimento para amparar minha queda, explodo na superfície do oceano.
Pensar dói. Tentar suspirar sufoca, asfixia. Afundo rumo à escuridão. As trevas tudo envolvem. O tom verde-sujo vai escurecendo, apagando; morrendo. Já não mais verde. Já não mais luz.
Sou então esmagado por uma mão gigantesca que me iça pela cabeça, desajeitadamente. Gritos de crianças, cheiro de pipoca e muitas luzes piscantes. Sou então um brinde sendo capturado num brinquedo. Vou ser salvo.
Sob o aperto da mão mecânica ouço meu pescoço se partir, o tecido se dilacerar e rasgar. Trapo velho. Um corpo decapitado se separa de mim. Vejo, de longe, muito confusamente, uma mão agarrar-lhe o ombro antes da queda. Cabeça e pescoço se fundem novamente. Novamente o quarto. Ela. Sua mão descarnada em meus ombros quentes. Suas órbitas vazias a me fitar, a cobiçar uma alma, a implorar ajuda, ordenar o medo.
Frio.
E só o arranhar dos insetos que invadem minha boca e dilaceram minha garganta ao descer por ela.


2 comentários:

  1. Uma palavra: pertubador :O

    você escreveu espetacularmente bem amor, orgasmo literal :P

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  2. Eis que do mundo das sombras renascce um poeta...

    Palavras intensas. Aprovado.

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