quarta-feira, 20 de janeiro de 2010

Conto Onírico


-Aonde você falou que íamos mesmo?
- Relaxa, nós só vamos dar umas voltinhas fora da cidade pra termos tempo de conversar.
-Com essa chuva? Não tinha um lugar mais tranquilo do que uma pista molhada para conversarmos?
-Se acalma, vamos devagar. Não vai acontecer nada, você vai ver.
...
-E você, conseguiu mesmo conversar com a menina lá?
-Consegui sim, finalmente. Apesar dela ter dado umas bobeiras e ter deixado claro que ainda gosta um pouquinho do cara, fez questão de dizer que eu deveria ir em frente e que me desejava muita sorte com ele; falou até que eu merecia que desse tudo certo.
-Menina legal. Aproveitando a deixa, desejo sorte pra você também. Você merece.
-Obrigada. Sabe que também te desejo sorte. Por falar nisso, como vão as coisas lá na sua casa?
-Mal, como sempre. Hoje fiz questão de tirar todas minhas economias do banco e deixar em casa, bem escondido, pro caso de acontecer alguma coisa.
-Alguma coisa? Que tipo de coisa? Um terremoto ou algo assim?
-Droga, estou falando sério. A situação não anda nada boa e quero que alguém possa usar aquele dinheiro pra alguma coisa mais útil do que o que eu tinha planejado. Inclusive, era justamente isso que eu queria falar com você.
-Ih, lá vem você com esses papos. Mas pode dizer, vai.
-Na verdade eu quero que escreva um bilhete para minha mulher.
-Mas não é melhor você mesmo escrever? Ou simplesmente ligar pra ela, mandar uma mensagem? Você sabe muito bem que ela não vai gostar nadinha de receber um bilhete seu escrito por mim e que estivemos juntos aqui, sozinhos. Vai começar a pensar besteiras sobre o que estivemos fazendo até tão tarde na estrada. Andando sem rumo debaixo dessa chuva toda.
-Eu não posso escrever agora, tenho que dirigir. Não se preocupe, ela vai saber o que estivemos fazendo essa noite.
-Ah, é? E eu vou saber também? Porque até agora...
-Se acalma, você vai saber sim.
-Tá, então espere só eu acender a luz aqui. Pronto! Pode dizer, o que devo escrever.
-Hum... Diga que ela não teve culpa, que ela bem sabe como eu sou e que às vezes não tem nada que ela possa fazer mesmo.
-Culpa? Vocês brigaram de novo?
-Mais ou menos. Na verdade, digamos que eu briguei. Não estava muito bem humorado hoje e acabei descontando nela.
-Como quase sempre acontece, né? Mas vamos lá, quero terminar logo esse bilhete estranho e voltar rápido pra casa.
-Na verdade, já terminou. Era só o que eu queria dizer.
-Tantos rodeios pra tão pouco. Podia ter você mesmo dito isso quando chegasse em casa.
-O caso é que não vamos chegar em casa. Esconda aqui esse bilhete, onde ficará seguro. Aperte bem o seu cinto.
-Mas por...
A estrada amanheceu ainda molhada pelas fortes chuvas. As águas não apagaram a marca dos pneus. Somente a garota e o bilhete sobreviveram.

3 comentários:

  1. ficou muuuuito bom Pablão! gostei de verdade.
    pela primeira vez na minha vida que eu quis ter um pesadelo, eu nao tive. ¬¬

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  2. Dramático pesadelo por mim desconhecido.Narrado. As vezes pesadelos nos assombram,incomodam mais do que deveriam incomodar.
    Dramática e poeticamente falando,bem narrado e bem escrito,como sempre,os seu "textinhos"! xD
    Beijoo Grande! =*

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  3. A cada página uma surpresa...
    Onde estas palavras estiveram escondidas mesmo?
    Prazer, Tatiane!

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