quinta-feira, 24 de fevereiro de 2011

Irmãos Karamázov

 

Um dos melhores livros que já li.

Bom demais para os afazeres do dia-a-dia me deixarem comentar o tanto que gostaria. Afinal, qual a utilidade de pensarmos questões filosóficas universais se ainda não tiramos o pó da casa?

 

“Não está pedindo dinheiro, mas seja como for não vai receber um tostão de mim. Eu, meu querido Alieksiêi Fiódorovitch, tenho a intenção de viver o máximo que puder no mundo, saibam vocês disto, e por isso preciso de cada copeque, e quanto mais eu viver tanto mais esse copeque me será necessário. Por enquanto ainda sou um homem, apesar de tudo, tenho apenas cinquenta e cinco anos, mas ainda quero permanecer uns vinte no rol dos homens, porque vou envelhecer, ficar um trapo e elas não vão querer vir à minha casa de boa vontade, e é por isso que vou precisar de um dinheirinho. É por isso que venho juntando cada vez mais e mais só para mim, meu amável Alieksiêi Fiódorovitch, que fiquem vocês sabendo, porque quero viver até o fim em minha sujeira, fiquem vocês sabendo. Na imundice é que é mais doce: todos falam mal dela, mas nela todos vivem, só que às escondidas, enquanto eu sou transparente. Pois foi por essa minha simplicidade que todos os sujos investiram contra mim.

Já para o teu paraíso, Alieksiêi Fiódorovitch, não quero ir, fica tu sabendo, e para um homem direito é até indecente ir para o teu paraíso, se é que ele existe mesmo. A meu ver, a pessoa dorme e não acorda mais, descobre que não existe nada; lembrem-se de mim se quiserem, e se não quiserem que o diabo que os carregue. Eis minha filosofia."

Fiódor Pávlovitch Karamázov – Abas Os Irmãos Karamázov

 

Trechos do livro:

Pág. 414: A fraternidade não chegará antes que o senhor se torne irmão de fato de toda e qualquer pessoa.

Pg. 426: Eles têm a ciência, e na ciência só aquilo que está sujeito aos sentidos. Já o mundo do espírito, a metade superior do ser humano, foi rejeitado inteiramente, expulso com certo triunfo, até com ódio.

Pg. 507: "Ele era justamente daquele tipo de ciumento que, quando longe da mulher amada, inventava imediatamente sabe Deus que horrores a respeito do que pode acontecer com ela, que ela estaria "traindo" por lá, mas, ao correr de volta para ela, abalado, arrasado, já irreversivelmente certo de que, apesar de tudo, ela arranjou tempo para traí-lo, ao primeiro olhar para o rosto dela, para o rosto sorridente, alegre e carinhoso dessa mulher - imediatamente cria alma nova, imediatamente afasta toda e qualquer suspeita e, tomado de uma vergonha alegre, censura a si mesmo pelo ciúme."

Pg. 663: "-Não, não - é como se Mítia continuasse a não entender -, dize-me: por que estão aí em pé essas mães vítimas de incêndio, por que as pessoas são pobres, por que o bebê é pobre, por que a estepe é nua, por que eles não se abraçam não se beijam, por que não cantam canções alegres, por que a desgraça negra as deixou tão escuras, por que não alimentam o bebê?"

Pg. 684: "-Uns tratantes.

-Quem é tratante?

- Os médicos, e toda a canalha médica; estou falando em geral e, é claro, também em particular. Eu nego a medicina. É uma instituição inútil. Aliáş, venho investigando tudo isso."

Pg. 685: "-Gosto de observar o realismo, Smúrov - falou Kólia subitamente. - Já notaste como os cachorros se cheiram quando se encontram? Nisso se movem por uma lei geral de sua natureza.

- Sei, alguma lei ridícula.

- Ah, não, ridícula não, nisto não tens razão. Na natureza não existe nada ridículo, por mais que pareça ao homem, movido por seus preconceitos. Se os cães fossem capazes de refletir e criticar, nas relações sociais com os homens, seus amos, certamente encontrariam um número igual - se não bem maior - de coisas que achariam ridículas - se não bem maior; repito isto porque tenho a firme convicção de que nós fazemos muito mais tolices."

Pg. 699: "-Qual... Você não iria brincar de cavalinho!

- Você julga a coisa assim - Aliocha deu um sorriso -, mas são adultos, por exemplo, que vão ao teatro, e no teatro também se representam aventuras de personagens de toda espécie, às vezes também incluindo bandoleiros e guerra - pois bem, por acaso não é a mesma coisa, claro que em seu gênero? Mas para os jovens brincar de guerra durante o recreio ou de bandoleiros também é arte nascente, necessidade nascente de arte na alma juvenil, e às vezes essas brincadeiras são compostas até com mais coerência do que as representações no teatro, com a única diferença de que as pessoas vão ao teatro assistir os atores, ao passo que, neste caso, os jovens são os próprios atores. Nada mais natural."

Pg. 755: "Diz: por que viver de fato? É melhor sonhar. Pode-se sonhar a coisa mais alegre, mas viver é um tédio."

Pg. 765: "Só que, pergunto, como é que fica o homem depois disso? Sem Deus e sem vida futura? Quer dizer então que hoje em dia tudo é permitido, pode-se fazer tudo?" "E tu não sabias?" -diz ele. Ele ri. "Um homem inteligente pode tudo, diz ele, o homem inteligente sabe usar de astúcia, já tu, diz ele, mataste, meteste os pés pelas mãos e agora estás apodrecendo na cadeia!"

Pg. 828: "Escuta, nos sonhos, e sobretudo nos pesadelos, quando há desarranjos intestinais ou alguma coisa assim, às vezes o homem vê coisas tão artísticas, uma realidade tão complexa e efetiva, acontecimentos ou até um mundo inteiro de acontecimentos, amarrados por tal intriga, com tais detalhes inesperados, desde manifestações superiores até o último botão do peitilho, que te juro que nem Lev Tolstói conseguiria criá-lo, e no entanto quem tem esses sonhos às vezes não tem nada de escritor, mas são as pessoas mais comuns; funcionários, folhetinistas, padres... Existe até um objetivo relacionado com isso: certa vez um ministro até me confessou que suas melhores ideias lhe ocorriam enquanto ele dormia. Pois é o mesmo que está acontecendo agora. Embora eu até seja tua alucinação, contudo, como num pesadelo, digo coisas originais que até hoje não te ocorreram, de modo que já não repito, em absoluto, os teus pensamentos, e no entanto sou apenas o teu pesadelo e nada mais."

Pg. 830: "Fui a todos os médicos: fazem excelente diagnóstico, explicam toda a doença na ponta dos dedos, mas curar que é bom, ninguém sabe. Apareceu um estudante cheio de entusiasmo: se o senhor vier mesmo a morrer, diz ele, saberá perfeitamente do que morreu. E sempre essa mania de nos encaminhar a especialistas, como quem diz: nós apenas diagnosticamos, agora vá consultar o especialista fulano de tal, que ele o curará. (...) Uma vez lá, ele te examina e diz: 'só posso curar a narina direita, porque não curo narinas esquerdas, não é minha especialidade, mas vá a Viena, lá um especialista específico curará sua narina esquerda".

Pg. 833: "-Ora, estás sempre pensando na nossa Terra de hoje! Só que a própria Terra de hoje talvez já tenha se repetido um bilhão de vezes; renasceu, congelou, rachou, fez-se em pedaços, desintegrou-se em seus componentes iniciais, voltou à água, que ficou sobre a terra, depois voltaram os cometas, voltou o sol, outra vez a Terra se formou do sol - ora, esse desenvolvimento possivelmente vem se repetindo infinitamente, e tudo sob o mesmo aspecto até os mínimos detalhes. O mais indecente dos tédios."

Abaixo trecho curiosamente semelhante da ideia exposta acima, porém mais elaborado:

"E se um dia ou uma noite um demônio se esgueirasse em tua mais solitária solidão e te dissesse: "Esta vida, assim como tu vives agora e como a viveste, terás de vivê-la ainda uma vez e ainda inúmeras vezes: e não haverá nela nada de novo, cada dor e cada prazer e cada pensamento e suspiro e tudo o que há de indivisivelmente pequeno e de grande em tua vida há de te retornar, e tudo na mesma ordem e sequência - e do mesmo modo esta aranha e este luar entre as árvores, e do mesmo modo este instante e eu próprio. A eterna ampulheta da existência será sempre virada outra vez - e tu com ela, poeirinha da poeira! ". Não te lançarias ao chão e rangerias os dentes e amaldiçoarias o demônio que te falasses assim? Ou viveste alguma vez um instante descomunal, em que lhe responderias: "Tu és um deus e nunca ouvi nada mais divino!" Se esse pensamento adquirisse poder sobre ti, assim como tu és, ele te transformaria e talvez te triturasse: a pergunta diante de tudo e de cada coisa: "Quero isto ainda uma vez e inúmeras vezes?" pesaria como o mais pesado dos pesos sobre o teu agir! Ou, então, como terias de ficar de bem contigo e mesmo com a vida, para não desejar nada mais do que essa última, eterna confirmação e chancela?"

Friedrich Nietzsche; (A Gaia Ciência: Aforismo 341)

Pág. 840: Quando a humanidade, sem exceção, tiver renegado Deus (e creio que essa era virá), então cairá por si só, sem antropofagia, toda a velha concepção de mundo e, principalmente, toda a velha moral, e começara o inteiramente novo. Os homens se juntarão para tomar da vida tudo o que ela pode dar, mas visando unicamente à felicidade e à alegria neste mundo. O homem alcançará sua grandeza imbuindo-se do espírito de uma divina e titânica altivez, e surgirá o homem-deus. Vencendo, a cada hora, com sua vontade e ciência, uma natureza já sem limites, o homem sentirá assim e a cada hora um gozo tão elevado que este lhe substituirá todas as antigas esperanças no gozo celestial. Cada um saberá que é plenamente mortal, não tem ressurreição, e aceitará a morte com altivez e tranquilidade, como um deus. Por altivez compreenderá que não há razão para reclamar de que a vida é um instante, e amará seu irmão já sem esperar qualquer recompensa. O amor satisfará apenas um instante da vida, mas a simples consciência de sua fugacidade reforçará a chama desse amor tanto quanto ela antes se dissipava na esperança de um amor além-túmulo e infinito.

Pág. 937: "(...) A psicologia, senhores, embora seja uma coisa profunda, ainda assim parece uma faca de dois gumes(...)."

Pág. 940: "A psicologia convida ao romance até os homens mais sérios, e isso de modo inteiramente involuntário. Estou falando de excesso de psicologia, senhores jurados, de certo abuso dela."

Adeus passado

"Adeus todo o passado, rompo para sempre os meus laços com o mundo do passado, e que dele não me chegue nem notícia, nem eco; para um novo mundo, para novos lugares, e sem olhar para trás!" contudo, em vez do êxtase sua alma viu-se de repente invadida por tais trevas, seu coração foi pungido por uma aflição tal como ele jamais experimentara em toda a sua vida. Passou a noite inteira refletindo; o trem voava, e só ao raiar do dia, já chegando a Moscou, ele pareceu recobrar-se de repente.

(Irmãos Karamázov - Pág. 386)

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